Dia da Mulher: Em entrevista, conselheira fala sobre a data, Psicologia e sua experiência em missões humanitárias

O Dia Internacional da Mulher é comemorado em 8 de março. A data sugere que paremos para pensar sobre igualdade e justiça às mulheres em todo o mundo. Buscando essa proposta mais reflexiva, o site do CRP-09 Goiás entrevistou a conselheira Ionara Rabelo, que é psicóloga, tem pesquisa na área de gênero e integra a equipe da organização Médicos Sem Fronteiras (MSF) em missões humanitárias.

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Entrevista: Ionara Rabelo

- O dia 8 de março é uma data que marca a luta das mulheres por justiça e igualdade no mundo. Houve avanço em políticas públicas que permitem a inserção social da mulher, especialmente no campo profissional?

São inquestionáveis os avanços na área do trabalho, especialmente as últimas leis que protegem as empregadas domésticas, que é um grupo eminentemente feminino. São leis que vão dar suporte a um empoderamento, como a entrada de mais mulheres na universidade. Mas ainda falta muito. Faltam muitas mulheres em postos de poder, representantes políticas, faltam muitas mulheres que tenham voz e que falem em associações e sindicatos, que ainda são ambientes extremamente masculinizados. Então, com certeza teve avanços inquestionáveis, mas há muito ainda que lutar. Precisamos de mais leis para que o homem assuma a paternidade, para que a maternidade não seja um fardo. Por exemplo, leis como na Suécia em que homens e mulheres são obrigados a tirar licença após o nascimento de um bebê e os dois compartilham as mesmas responsabilidades em casa. Durante seis meses a dois anos, a criança fica sempre com o pai e a mãe em casa e não só a mãe. Aqui no Brasil, esse fardo é todo carregado pela mulher, que perde oportunidade de trabalho, que tem que ficar em casa se não achar creche ou não conseguir alguém para vigiar o bebê. E lá (na Suécia) vemos que esse cuidado que tanto o pai quanto a mãe têm em ficar em casa com o bebê favorece a paternidade, o papel do pai, os laços de família, e que a mulher se mantenha na profissão.

- As mulheres são maioria na Psicologia no Brasil. Qual a sua opinião sobre o que motiva essa profissão ser atraente ao público feminino?

No Brasil é diferente, porque em outros países a gente vê tanto homens quanto mulheres dividindo o mesmo número de cadeiras enquanto psicólogos, enfermeiros. Mas aqui, profissões como a Psicologia, a Enfermagem, a Pedagogia, são aquelas em que as mulheres encontraram um caminho. De certa forma, não é bom naturalizar que a mulher seja melhor para cuidar, melhor para ouvir, como se a gente naturalizasse algo que é cultural. Então, por um lado, ser eminentemente feminino, é por onde encontrávamos espaço. Mas por outro lado, se você é uma psicóloga feminista, têm pessoas que não vão entender porque você precisa ser psicóloga e feminista. Então, há uma contradição e algumas pessoas falam: “ah, você é psicóloga, você devia brigar menos e ouvir mais”, como se fosse naturalizado que a escuta e ficar calado, silenciar, fosse feminino. Pelo contrário, a Psicologia favorece o empoderamento de homens e mulheres e ela faz com que a fala seja um instrumento maior para que possamos conviver em sociedade.

- As estatísticas de agressão às mulheres é algo alarmante no Brasil. A senhora, que tem vasta pesquisa e atuação nessa área, consegue vislumbrar mudanças positivas em relação a esse contexto de violência doméstica?

Quando fala em Dia Internacional da Mulher geralmente falamos sobre violência. É algo estranho, porque, na verdade, estamos celebrando um momento em que mulheres se levantaram contra os algozes. No Brasil, temos números alarmantes. Algo que me chamou a atenção é que nessa semana foi aprovado na Câmara que o feminicídio seja crime hediondo e que vai aumentar a pena para aquelas agressões com base em gênero - que seriam homens agredindo suas esposas e que batem até matar. Na verdade, essa situação tem melhorado. A Lei Maria da Penha tem diminuído os números de agressão. Uma pesquisa do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) dessa semana fala disso, mas ainda temos uma fragilidade imensa do Judiciário. O Judiciário ainda tem um olhar masculino, protege pouco, demora muito, é lento. As mulheres fazem a denúncia e até chegar o momento em que realmente elas podem ser protegidas, muitas são assassinadas. Então, não é a lei que é ruim, mas o sistema que não está operando na forma como deveria.

- A senhora atuou/atua pela organização Médico Sem Fronteiras em regiões de conflito. Como é prestar auxílio às mulheres que vivem esse contexto? As necessidades delas são semelhantes ou diferentes de mulheres que vivem em regiões sem conflito?

Demanda totalmente diferente. Primeiro eu tenho que saber das leis do país e muitos países em que atendemos não têm leis que protegem as mulheres. Então, eu tenho menos ferramentas para dar suporte a elas. No Brasil, eu posso utilizar a Lei Maria da Penha, encaminhá-la para serviços e se ela precisa sair de casa, se o agressor precisa sair de casa, há amparo legal. Nos países em conflito, isso não existe e as mulheres sofrem violência lá também. Fora isso, elas são mães ou mesmo guerrilheiras, têm que combater, têm que sobreviver. Então, as estratégias são outras estratégias. Empoderar mulheres que estão numa zona de conflito é algo muito tênue. Tem hora que elas têm que proteger e tem hora que elas têm que atacar. E tem hora que elas são as agressoras. Num país onde mulheres têm pouco poder, muitas vezes as mães de família e as avós são as agressoras das segundas, terceiras esposas de um muçulmano, por exemplo. Não é fácil. Eu tenho que entender o contexto para tentar me adaptar. Cobramos de uma Psicologia que ela não seja ocidental, que ela tenha uma abordagem mais aproximada com a cultura local para que nós não façamos atrocidades.

- E como foi para senhora, enquanto psicóloga, atuar nessa situação?

Atuar numa situação de conflito ou no ebola é quase que tentar me desintegrar um pouco do que eu sei, do que eu conheço do Brasil, e me familiarizar com o que eu estou vendo, com a cultura e a situação política. Não ser alienada da situação política e cultural do país, me aproximar disso, mas não me aproximar tanto para que eu não perca um referencial. A palavra que eu mantenho para que eu continue a ser psicóloga é: como que eu posso minimamente resgatar a autonomia dessas pessoas. E a autonomia não é a mesma em todo lugar. O que é autonomia para uma mulher beduína vivendo num deserto, apanhando do marido, é totalmente diferente de uma mulher muçulmana fugindo da guerra e tendo que viver em outro país, o que é totalmente diferente de uma mulher que é a única sobrevivente de uma família em que sete pessoas morreram e ela é a líder daquela família naquela hora. Ou uma mulher que está morrendo de ebola e quer saber se o bebê dela vai sobreviver ou não, se ele pegou ebola quando ela amamentava ou não. Falar disso me dói pra caramba. Por isso eu falo que me desintegro aos poucos e vou integrando aos poucos. É importante lembrar que o Médico Sem Fronteiras jamais manda você para um país sem brifar (sic) sobre todo o contexto político. Ser psicóloga nesses contextos é mergulhar um pouco nisso para que não carreguemos conosco uma teoria que seja alienada ou desenraizada. Eu preciso entender o que está acontecendo no país. É uma psicologia que se compromete com aquele povo. A cada momento eu aprendo demais com o Médico Sem Fronteiras, porque jamais eu chegaria lá carregada de teorias que são teorias criadas em países ocidentais. Eu carrego em mim a Psicologia Social e quando chego lá, o MSF me dá todo apoio para tentar entender o lugar, as pessoas, de que dor eles estão falando para que eu tente entender. Nenhuma dor é igual, nenhum país, nenhum conflito, nenhuma doença é igual.

Clique aqui e veja o Diário de Bordo de Ionara Rabelo sobre a missão Ebola.

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