CRP-09 é contrário a projeto de lei que propõe instituição de processo de identificação, diagnóstico, tratamento e acompanhamento de transtornos de aprendizagem na rede oficial de educação e saúde do município

O Conselho Regional de Psicologia 9ª Região Goiás, por meio da Comissão Especial de Psicologia Escolar e Educacional, divulga um manifesto contrário ao Projeto de Lei apresentado na Câmara de Vereadores de Goiânia em que propõe a instituição de processo de identificação, diagnóstico, tratamento e acompanhamento de transtornos de aprendizagem na rede oficial de educação e saúde do município.

Veja abaixo o Manifesto:

CONSELHO REGIONAL DE PSICOLOGIA 9ª REGIÃO – CRP-09
Comissão Especial de Psicologia Escolar e Educacional  

Manifesto sobre o PL 2015.000.198

O Conselho Regional de Psicologia 9ª região – CRP09, com o apoio da Associação Brasileira de Psicologia Escolar/Educacional - Regional Goiás e da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Goiás, se manifesta a respeito do PL que propõe a instituição de processo de identificação, diagnóstico, tratamento e acompanhamento de transtornos de aprendizagem na rede oficial de educação e saúde de Goiânia.

Esse Manifesto destaca uma preocupação com o crescente movimento de medicalização dos processos educacionais nas últimas décadas, com a introdução de projetos de lei que sustentam tal movimento. A medicalização representa um retorno a temas presentes na década de 1960 e 1970, as quais se fundamentam em explicações organicistas centradas em distúrbios e transtornos no campo da Educação para explicar dificuldades de aprendizagem e queixas escolares. Tais explicações retomam uma lógica já denunciada e analisada durante décadas em estudos da área da Psicologia, da Educação e da Medicina que apontam o caráter complexo e multideterminado do fenômeno educativo. As relações de aprendizagem não podem ser avaliadas como algo individual, biológico, somente do aluno, pois se constituem em dimensões do campo histórico, social, político e pedagógico, dessa forma, transcendem o campo da biologia, da neurologia e da psiquiatria.

Nessa lógica, as análises sobre as dificuldades no processo de aprendizagem excluem as condições concretas de estrutura física, pedagógica e precarização do trabalho docente oferecidas pelas escolas públicas e culpabilizam o sujeito que aprende. Busca-se nas crianças e adolescentes, principalmente em áreas de seu cérebro e em características de seu comportamento, as causas das dificuldades. Assim, os alunos são diagnosticados e em seguida, a grande maioria passa a tomar medicamento e a ter diferentes tipos de acompanhamento terapêutico. Segundo o Instituto de Defesa dos Usuários de Medicamentos e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), dados de 2010 denunciam um crescimento de mais de 200% desde o ano 2000 do consumo de metilfenidato (Ritalina e Concerta) no país, colocando o Brasil como segundo maior consumidor no mundo.

Essa patologização do aluno que não aprende vem sendo defendida como um direito, como um direito de ser diagnosticado, atendido e medicado, e, ainda sob a responsabilidade do Estado. No entanto, é direito do aluno e responsabilidade do Estado de oferecer uma escola pública de qualidade em condições físicas e pedagógicas adequadas, bem como desenvolver políticas de valorização do trabalho e da carreira docente.

A lógica das análises das dificuldades, agora nomeadas “transtornos”, tem gerado a apresentação de inúmeros projetos de lei pelo país afora. O Fórum sobre Medicalização da Educação e da Sociedade levantou até 2011 a tramitação de 18 projetos de lei nas diferentes instâncias legislativas do país, que visam inserir no campo da Educação, na rede pública, propostas para diagnóstico, tratamento e criação de programas de apoio para os diferentes “transtornos de aprendizagem”. Destaca-se o fato de que projetos apresentados por parlamentares de diferentes partidos e em diferentes estados e municípios brasileiros apresentem textos praticamente idênticos. São textos semelhantes a projetos de lei americanos apoiados por entidades relacionadas aos “transtornos” e, em especial, pela indústria farmacêutica.

Dessa forma, as políticas educacionais deixam de investir na melhoria da qualidade da escola e das condições de trabalho e carreira do professor, para destacar o diagnóstico e tratamento de crianças e adolescentes com dificuldade em seu processo de escolarização. Um projeto de Educação de qualidade para TODOS não deve estar submetido a diagnósticos em saúde, pois assim, arriscam-se a patologizar os processos ensino-aprendizagem, rotular os alunos e reduzir as finalidades da Educação como processo emancipatório.

Concordamos com o Dossiê apresentado pelo Fórum sobre Medicalização da Educação e da Sociedade ao discutir que os Projetos de lei que objetivam trazer para o interior da escola o diagnóstico e o tratamento de alunos estão em desacordo com princípios fundamentais para a garantia de uma política pública educacional de qualidade, a saber: a) Reconhecimento e Valorização do SUS como responsável pelas políticas de saúde; b) Compreensão da produção social dos Problemas Escolares; c) Objetivos da intervenção psicológica no campo educacional.

A Educação Brasileira apresenta índices de desempenho escolar entre os piores do mundo, a desigualdade de acesso e de oportunidades é apontada pelos dados de diferentes pesquisas realizadas e apresentadas nos relatórios da Unesco. O baixo investimento na Educação não é destacado na discussão desses projetos de lei, nem a política de formação de professores, com propostas de aligeiramento, precarização e privatização das licenciaturas.

Nossa tarefa, de todos os profissionais e pessoas interessadas na qualidade da educação brasileira, é fazer uma revisão geral do sistema educacional para compreendermos a existência de muitos casos de crianças e adolescentes que permanecem anos na escola e continuam com dificuldades básicas de leitura, escrita e cálculo. As pesquisas de diferentes órgãos nacionais e internacionais apontam inúmeros desses casos, não é possível atribuir a todos esses alunos as causas do não aprender e desconsiderar os fatores de ordem política, econômica, social e cultural. Nesse caso, esses alunos são penalizados duplamente: primeiro, por não ter acesso a uma escola de qualidade e segundo, por ser diagnosticado/rotulado/etiquetado com distúrbio/transtorno de aprendizagem.

Finalmente, entendemos que a melhoria da qualidade da educação implica em políticas públicas que, ao invés de culpabilizar e patologizar os alunos e suas famílias, se comprometam efetivamente com a escola, com temas que envolvam a vida escolar, as práticas pedagógicas, as relações institucionais, a quantidade de alunos por sala de aula e por professores. E ainda garantam as condições necessárias e dignas de trabalho e de valorização dos profissionais da Educação.

Nesse sentido, o CRP-09 se manifesta contrário ao Projeto de Lei nº 2015.000.198 proposto pelo vereador Felizberto Tavares. Reforçamos que esse manifesto do CRP-09 tem o apoio da Associação Brasileira de Psicologia Escolar/Educacional - Regional Goiás e da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Goiás.

E nos colocamos à disposição para ampliar o diálogo e as discussões sobre questões relacionadas ao processo educacional e às dificuldades da escola como um todo.

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