Vice-presidente do CFP, Rogério Oliveira, fala sobre ética e atuação profissional em evento da UFG

Questões relacionadas à atuação do profissional da Psicologia e ética foram os principais temas abordados pelo Vice-Presidente do Conselho Federal de Psicologia (CFP), Rogério Oliveira, no XXII Simpósio de Estudos e Pesquisas da Faculdade de Educação - Ciência e Formação: Utopias e Desencantos, da Universidade Federal de Goiás, realizado entre os dias 14 e 18 de setembro de 2015.
Rogério Oliveira participou do evento na quinta-feira (17/9) e aproveitou para falar com exclusividade ao Portal do CRP-09.

Confira:    

Quais foram os principais pontos abordados pelo senhor durante o Simpósio?

Na ocasião, eu apresentei quatro pontos, que irei abordar ao longo da entrevista. Eu tinha o desafio de apresentar, a partir da representação do Conselho Federal de Psicologia, enquanto vice-presidente, um panorama de como entendemos o desenvolvimento da nossa profissão, do recorte do seu papel social, de como está avançando na sociedade, do desenvolvimento dela enquanto ciência, no que diz respeito às questões éticas, e também enquanto profissão mesmo, enquanto local de trabalho. O primeiro ponto, que eu acho mais importante, é entender que a profissão só existe, assim como as outras profissões existem, porque elas têm de comprovar a existência de três fundamentos seqüenciais, mas que ao mesmo tempo eles são únicos, nascem juntos. Para se ter uma profissão organizada é necessário ter uma identidade corporativa, bem como um segundo passo, que são métodos e técnicas específicas dessa profissão. E o terceiro passo é o controle do acesso à formação. Então, muito embora sejam três pontos, eles são uma mesma coisa, ou seja, num determinado momento histórico, um coletivo de pessoas com identidade corporativa se unem em torno de métodos e técnicas específicas e passam a controlar o acesso à formação no seio da sociedade. Aí elas vão buscar a regulamentação, que é o marco legal para a existência dessa profissão. No nosso caso, 1962 é o marco da nossa legislação que regulamentou o exercício da profissão do profissional psicólogo.

E como está a Psicologia hoje?

Para responder a isso, irei falar de momentos históricos. Temos o momento histórico de 1962, com a regulamentação da profissão, e depois 1971, com a regulamentação dos conselhos de classe. É um momento diferente do momento que vivemos hoje. Hoje, do ponto de vista quantitativo, nós somos uma profissão de cerca de 250 mil profissionais inscritos e ativos no sistema conselhos, e 164 mil estudantes de Psicologia. Se projetarmos que um curso de Psicologia tem duração de cerca de cinco anos, podemos projetar que nesse tempo teremos cerca de 400 mil profissionais inscritos e ativos. E nós, enquanto conjunto de conselhos de classe, entidades científicas de Psicologia, movimento dos trabalhadores e outras entidades, estamos preparados para organizar essa profissão no seio da sociedade brasileira? Entendo que nós temos que avançar muito para dar conta disso ainda. Nós ainda não estamos totalmente preparados para isso.

E por que o senhor acredita que não estamos preparados?

Nós, então, caímos em outro questionamento. Por que nós não podemos, de certa forma, afirmar que estamos totalmente preparados? Por exemplo: do ponto de vista da orientação profissional, o nosso modelo de orientação é dos anos 1970, quando tínhamos por volta de 20 mil pessoas inscritas, no máximo. À época, tínhamos uma progressão aritmética de inclusão de novos profissionais no mercado de trabalho. Nós tínhamos um número de cursos autorizados praticamente fixo. A partir dos anos 1990, ocorreu um grande aumento do número de cursos de Psicologia. E isso é salutar para o desenvolvimento de uma sociedade tão complexa quanto é a brasileira. Mas, com isso, nós entramos em uma progressão geométrica quanto ao número de novos profissionais e ainda não estabilizamos a curva. Ou seja, ainda não temos uma média quantitativa estabilizada de formandos em cursos de Psicologia. E, com isso, temos à nossa frente o desafio da inclusão das pessoas no mercado de trabalho. Isso oscila muito. E some-se a isso a interpretação errônea de alguns representantes dos conselhos de psicologia ao afirmarem que isso não é tarefa dos conselhos. É por conta desse raciocínio político que esses dados não foram apreciados nos últimos 20 anos. Nós, do 16º Plenário do Conselho Federal de Psicologia, em conjunto com alguns regionais, estamos analisando esses dados. Não com todos os regionais, porque têm alguns regionais que resistem a isso. Nós estamos levando isso, muito em consideração, do ponto de vista do exercício profissional. Temos de passar a fazer os nossos projetos políticos, as nossas propostas de intervenção na sociedade, lembrando que temos um desafio enorme do ponto de vista do trabalho, dessas pessoas que estão chegando ao mercado de trabalho - que no ano de 2020 vão ser 400 mil pessoas -, se elas estarão qualificadas, se elas realmente estão sendo formadas a partir das demandas do trabalho da sociedade brasileira, das demandas sociais, das demandas que a política pública estabelece, e também que o mercado privado estabelece. Há uma série de questões.

Que outro ponto o senhor destacaria?

Outro ponto é a questão do compromisso com a ciência. Nós temos que entender que os conselhos não dão conta de nada sozinhos. Nós precisamos nos organizar em conjunto com as demais entidades da Psicologia, especificamente aquelas do ponto de vista do desenvolvimento da ciência.  Nós temos um problema, porque há uma distorção do ponto de vista do poder econômico, financeiro e político dessas entidades. Os Conselhos de Psicologia têm um aumento contínuo no número de inscritos e ativos que pagam um imposto obrigatório para que possam exercer a profissão. Essas instituições estão ficando muito poderosas financeiramente e economicamente, e consequentemente, com um grande poder político. E, seguindo o mesmo raciocínio, os conselhos de classe também vivem internamente uma distorção, pois existe uma hiperconcentração de poder na Região Sudeste e uma hiperconcentração de poder em alguns conselhos de classe. Nós somos 23 conselhos e o Conselho Federal. E, ao mesmo tempo, temos em torno de três ou quatro conselhos regionais, e o Conselho Federal, que detêm mais de 70 % do orçamento de todo o Sistema Conselhos. Se compararmos as questões orçamentárias dos conselhos de classe em relação às sociedades científicas, às associações científicas, sindicatos e federações, podemos afirmar que a distorção é muito maior. É uma distorção enorme. Ou seja, essas outras entidades têm uma independência total. Elas conseguem tocar seus projetos, mas não têm poder econômico, e consequentemente, poder político. Acabam ficando dependentes desse poder econômico, político e financeiro dos conselhos de classe – com raríssimas e relevantes exceções. Isso é algo que, para o avanço do desenvolvimento da ciência, para o avanço da nossa profissão, é importante que façamos uma revisão profunda neste modelo de nos organizarmos como um todo. Caso contrário, nós, enquanto atores políticos detentores de representações nestes conselhos de psicologia poderosos, faremos opções políticas de priorizar uma ou outra entidade, em detrimento de outras, partindo do ponto de vista daqueles que têm mais afinidade política conosco, de pertencer a um mesmo grupo etc. E isso para nós do atual plenário do Conselho Federal de Psicologia é um erro, pois não favorece o desenvolvimento de uma profissão que deve de ter um papel no avanço da sociedade na qual ela está inserida, respeitando e acolhendo a pluralidade e a diversidade de nossa profissão.  

Durante a palestra, o senhor abordou também a questão ética. Como ela se insere nesse contexto de desenvolvimento da Psicologia enquanto profissão?

O eixo que atravessa tanto a questão científica, quanto profissional, bem como a social, deve ser a ética. O momento histórico de uma sociedade, o momento que ela está vivendo, os valores que ela tem, os avanços necessários, isso tudo faz parte da questão ética. E a ética não pode contrariar isso. Ela não é somente um conjunto de normas e regras. A questão ética é acima de tudo não agir em causa própria, não só enquanto sujeitos profissionais como são os psicólogos, em sua maioria psicólogas, mas acima de tudo, de que essa profissão não pode ir na contramão do desenvolvimento de uma sociedade. O modelo de sociedade que nós queremos hoje e que estamos pautando no Brasil e em boa parte do mundo, é o modelo da inclusão social. Então, se o modelo é de inclusão social, o esforço deve ser coletivo, acolhendo a diversidade. A questão ética não pode contrariar esse momento do desenvolvimento da nossa sociedade. Darei exemplos concretos. Hoje, se você andar pelos mais de cinco mil municípios do Brasil, você vai sempre encontrar jovens, adultos ou idosos exercendo o seu direito de publicamente demonstrar sua orientação sexual. Essa questão está nas ruas. Então, a Psicologia não pode coadunar com propostas retrógradas, reacionárias, com posições de ódio, que não aceitam os avanços sociais, que não aceitam a promoção dos direitos humanos.  Não podemos aceitar de modo algum propostas que tendem a patologizar as relações. E assim, nós temos de lutar no Congresso Nacional, e especificamente na Câmara Federal, para que esses retrocessos não ocorram, e, internamente, garantir que no exercício profissional essas questões sejam consideradas antiéticas por parte de quem for querer exercer um papel profissional no sentido de coadunar com propostas e posições que favoreçam essa patologização. Essa é e deve ser uma questão polêmica, mas temos outros exemplos. A questão dos Diretos das Crianças e dos Adolescentes, no que diz respeito à redução da maioridade penal. Então, existem vários exemplos que estão em curso na sociedade para que ela se desenvolva e nós temos que nos balizar por esse atravessamento contínuo que é a questão da ética profissional.

O senhor gostaria de pontuar algo mais sobre o desenvolvimento da Psicologia enquanto ciência e profissão?

Eu quis abordar o papel da Psicologia a partir desse olhar dos conselhos de classe e do Conselho Federal para o desenvolvimento da ciência, para o desenvolvimento da profissão, para a questão do nosso compromisso com o desenvolvimento da sociedade e, acima de tudo, pela questão ética. Através desses quatro eixos, tentei organizar e afirmar qual o papel que hoje o Conselho Federal de Psicologia tem, em parceria com os regionais que aderem a esse projeto, cujo desafio central é a promoção da participação social nos processos decisórios dos conselhos de classe, participação concreta e objetiva, de modo que a categoria possa ser consultada constantemente para decidir, precedida logicamente de um processo de debate para se educar politicamente e depois se tomar uma decisão. É isso que temos buscado em nossos projetos. Diante do novo cenário para os próximos anos, de que quantitativamente teremos uma categoria imensa, de cerca de 400 mil, nós já temos então que nos prevenir e procurar outro modelo que não seja somente da democracia representativa. Nesse modelo, o da Democracia Representativa, um conjunto de conselheiros ocupa a representação dos conselhos via uma eleição de três em três anos a partir de um congresso. Mas ao longo dos três anos, não consultam essa categoria para nada e se acham no direito de decidir por ela. Nós entendemos que não. Nós entendemos que para fortalecer a nossa profissão, para que essa profissão se desenvolva em acordo com o desenvolvimento da sociedade, de uma sociedade inclusiva, e que essa profissão exerça um papel ético, é necessário que ela estabeleça um diálogo mais continuo e perene, um elo muito forte com a categoria. E, para isso, ela tem que lançar mão de um novo modelo de democracia que é a Democracia Participativa, onde todas as ações e resoluções que forem editadas por esses conselhos devam passar por um modelo de diálogo constante com essa categoria, para que essa categoria seja educada e participe do processo, para que ela entenda o que está acontecendo. E, ao final desse debate, a categoria tome a decisão junto com os seus representantes que estão no conselho, a partir de uma consulta pública. Porque depois ela vai ter que seguir essas normas. É isso que nós chamamos e nomeamos como o exercício profissional enquanto trabalho, tendo a proposta de democracia participativa como modelo de relação política estabelecida.

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